PREVIDÊNCIA SOCIAL: BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO CONCEDIDO SEM PERÍCIA?
CAT EMITIDA PELO PRÓPRIO TRABALHADOR ASSEGURA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO?
VALORES DO FAP SUBINDO PARA AS ALTURAS?
INTRODUÇÃO
O artigo faz referência à Portaria Conjunta MPS/INSS nº 6 de 21.09.2023 e analisa três aspectos que produzirão relevantes repercussões negativas para empregadores, todos eles.
Escolha o título que desejar ou considere todos: estamos diante de uma realidade que extrapola a imaginação e como veremos o bom senso, adotada por legisladores para atender pressões que objetivam proporcionar vantagens à um determinado segmento da sociedade (trabalhadores), em detrimento de outro (empregadores) o qual irá arcar com relevantes repercussões negativas.
O artigo apresenta três dessas repercussões para que empregadores possam estimar o que lhes espera.
AOS FATOS
A Portaria Conjunta MPS/INSS nº 6 de 21.09.2023 alterou sutilmente a Portaria nº 38 de 20.07.2023. A mudança ocorreu no §3º do art. 2º onde a primeira retirou os termos “emitida pelo empregador”, constantes no mesmo § e artigo da última.
A alteração se refere à CAT emitida e a dispensa de parecer da Perícia Médica do INSS em relação à incapacidade laboral do trabalhador portador da CAT, limitando a concessão do benefício à uma “análise documental”.
Antes (Portaria nº 38) a concessão do benefício ocorreria em caso de CAT somente emitida pelo empregador, e agora (Portaria nº 6) ele será concedido para toda CAT existente, não necessariamente apenas àquelas emitidas pelo empregador.
AS REPERCUSSÕES NEGATIVAS
Não entrando no mérito do alijamento da Perícia Médica no processo de concessão do benefício e nem na legalidade da concessão de benefício por “análise documental” (esse tema fica à cargo de profissionais do direito), abordam-se as repercussões para organizações da discreta alteração trazida pela Portaria nº 6 (a supressão de apenas três palavras: “emitida pelo empregador”).
1ª repercussão:
Ela traz o fim das dispensas de trabalhadores. Por e com ela só será demitido quem quiser pois a qualquer momento uma CAT pode ser emitida por qualquer pessoa, um benefício acidentário (B91) concedido e com ele há a estabilidade temporária por 1 ano. Ao final desse nova CAT emitida resulta em mais um período de estabilidade, e assim ad eternun…
Sobre o tema de quem pode emitir uma CAT além do empregador: A Lei 8.213 de 24.07.1991, no §2º do artigo 22, diz que outras pessoas podem a emitir quais sejam o “próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública”.
A insensatez trazida pela Portaria nº 6 chega a tal ponto que o próprio trabalhador pode emitir uma CAT para si próprio, que pode ser registrada pela internet através do site eletrônico da Previdência Social (a CATWEB).
O Art. 3º das Portarias lista o que deve constar na documentação necessária para a concessão do benefício, além da CAT: atestado com dados administrativos (nome, data, CID, assinatura do profissional emitente, etc) e o parágrafo único desse artigo alerta que a emissão ou atestado que contenha informação falsa é crime.
A pergunta que se impõe: como configurar alguma falsidade em atestado / CAT emitida por, digamos, uma dorsalgia (CID M.54)? Ou por um código da CID-10 que se inicie pela letra F, aquela que identifica um transtorno mental ou de comportamento?
2ª repercussão:
Assim como existe a “indústria dos atestados falsos” (sim, ela existe e a quem queremos enganar em não reconhecer isso?) surgirá a “indústria das CATs falsas”, pelo que outro aspecto deletério da Portaria nº 6 é o incentivo ao crime, à corrupção.
Será o aperfeiçoamento do produto “atestado falso”, complementado pela “CAT falsa”.
3ª repercussão:
Sendo a CAT uma “comunicação de acidente de trabalho” o benefício que será concedido pela “análise documental” é o B91: auxílio doença acidentário. Esse é uma das 4 espécies de benefícios que impactam no cálculo do FAP (os outros são os B92 – aposentadoria por invalidez acidentária, B93 – pensão por morte acidentária e B94 – auxílio acidente).
De todos os benefícios os B91 são os mais frequentes e o valor do FAP das organizações irá disparar, pela concessão de benefício por “análise documental” onde a presença de CAT é necessária, sendo essa emitida literalmente por qualquer pessoa, inclusive pelo próprio interessado.
Resultando o B91 de uma CAT emitida por qualquer pessoa através do site da Previdência, e a empresa não tendo ciência dela, somente lhe será possível encaminhar um recurso à Previdência após a concessão onde manifestará sua argumentação técnica (médica e/ou ambiental) para tentar demonstrar que o feito ocorreu por critérios não “acidentários” (se esse for o caso!), o que lhe é facultado pela Instrução Normativa nº 31 de 10.09.2008.
Sendo o B91 concedido por acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais, a sua existência através da “análise documental” será prevalentemente atribuída a doenças, pois os casos de acidentes típicos no trabalho terão uma documentação mais consistente na organização, o que pode dificultar a emissão de um atestado e CAT atribuída a algum acidente. Sempre obviamente supondo que acidentes recebam análise pertinente.
O QUE FOI “ATROPELADO”
A análise documental considera o atestado médico e o CAT.
Atestado médico é documento emitido por um médico para recomendar o afastamento de um indivíduo de seu trabalho.
CAT (Lei nº 8.213/1991, art. 22) objetiva comunicar de modo formal todos os casos de acidentes ou de doenças na empresa.
O acidente será caracterizado tecnicamente pela perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social, que fará o reconhecimento técnico do nexo causal. Isso é o que diz o art. 337 do Decreto nº 3.048/99.
Portanto a análise documental não faz nexo causal entre entre o acidente e a lesão ou entre a doença e o trabalho.
A “MARCHA ATRÁS”
Em 20 de outubro ocorreu a publicação da Portaria Conjunta MPS/INSS nº 1.173 que disciplinou o fluxo do protocolo de Análise Documental do benefício por incapacidade temporária nas Agencias da Previdência Social.
Nele o Art. 4º diz que “Até que ocorra a implementação do sistema, o pedido de benefício por incapacidade temporária de acidente de trabalho não poderá ser realizado por análise documental.
Parágrafo único: Para o caso previsto no caput, o colaborador deverá agendar a perícia médica presencial”.
O Art. 5º diz que “A medida prevista nessa Portaria tem caráter temporário e poderá ser revista a qualquer tempo”.
Isso significa que agora a análise documental para pedidos de benefício acidentários está momentaneamente suspensa, mas o processo não foi revogado. Assim, é recomendável ficar-se atento à esse tema.
A PARTICIPAÇÃO MÉDICA PARA MINIMIZAR AS REPERCUSSÕES
A atividade de médicos vinculados com organizações, próprios ou prestadores de serviço, é relevante para analisar toda eventual manifestação de alguma patologia apresentada pelo trabalhador, para a investigar e documentar eventual vinculação com o trabalho, ou descartar essa possibilidade.
Isso será relevante e determinante na elaboração de um recurso consistente onde provas poderão ser apresentadas demonstrando que o benefício B91 não tem relação com o trabalho, desde que, obviamente, se disponham delas.
Como se observa, a participação de médicos se amplia pois, além de conduzir exames clínicos ocupacionais, tem a atribuição de conduzir ou supervisionar práticas de medicina assistencial, na qual a atenção especial ao trabalhador queixoso objetiva tanto uma consideração a ele e ao seu desconforto, assim como dispor de documentação que possa ser utilizada em um eventual recurso diante do benefício B91.
Um aspecto relevante dessa ampliação da atividade médica é de que a documentação obtida poderá ser utilizada tanto em casos de concessão motivada pelo disposto na Portaria nº 6 como em todos os benefícios acidentários que se originem pelos trâmites habituais: afastamento, encaminhamento à Previdência pela organização, perícia médica realizada, benefício B91 concedido.
CONHECIMENTO TEMPESTIVO DE BENEFÍCIOS E ELABORAÇÃO DE RECURSOS
Diante do disposto pela Portaria nº 6, somente o conhecimento de forma tempestiva de benefícios da espécie B91 pode auxiliar na detecção daqueles que foram concedidos pela prática da CAT emitida por terceiros aliada à “análise documental”, para a elaboração de recursos à Previdência
Adquirimos muita experiência com esses procedimentos (conhecimento tempestivo de benefícios e elaboração de recursos) que consideramos aspectos significativos na defesa dos interesses das organizações.
Eles fazem parte da rotina do que denominamos de “gestão do FAP”, e para a qual efetuamos semanalmente pesquisa em site da Previdência de divulgação dos benefícios (prática recomendada!) onde identificamos imediatamente aqueles concedidos à empregados de clientes, tanto os acidentários (B91) como os previdenciários (B31). Pelas funcionalidades existentes no SIGOWEB um recurso pode ser elaborado e protocolado na Previdência de forma tempestiva, atendendo os prazos fixados pela IN nº 31.
O software facilita os procedimentos mas eles podem ocorrer também sem soluções sistêmicas.
Diante do benefício B91 o recurso elaborado, caso a organização disponha de comprovações suficientes para o embasar, visa demonstrar ao Perito Médico que o vá analisar que a patologia não tem cunho ocupacional e, portanto, não poderia ser enquadrada como acidentária e sim como previdenciária (B31), a qual não impacta no cálculo do FAP. Com isso se pleiteia a transformação da espécie de acidentária para previdenciária.
Se isso não ocorrer em tempo hábil de nada adiantará a organização querer impugnar esses benefícios por ocasião da contestação do FAP.
Recorde-se que o FAP informado em um ano se refere à eventos (os B91 incluídos) concedidos nos 2 anos anteriores ao da divulgação. Ou seja, por exemplo: querer em final de 2024 impugnar benefícios concedidos em 2022 e 2023 é prática que não terá sucesso nenhum, pois a argumentação da organização é carente de convencimento (não sabia, desconhece, não existe a patologia, etc…).
BREVES PALAVRAS FINAIS
Agora, com a Portaria nº 6 trazendo novos condicionantes na concessão de benefícios acidentários, mais se torna necessária uma eficaz postura reativa das organizações para preservar seus interesses.