Introdução
O Quadro que mostra estatísticas de benefícios concedidos pelo INSS (1) por acidentes de trabalho, analisados pelas quatro atividades econômicas com maior prevalência entre todas, aponta para dois setores que aparecem à frente: os de atividades hospitalares e comércio varejista (aqui estão os supermercados), sendo que o primeiro se sobressai extraordinariamente, aparecendo sistematicamente nos 3 últimos anos pesquisados com maiores números de acidentes do trabalho.
Onde existem acidentes de trabalho inevitavelmente existem custos, que podem ser categorizados como diretos e indiretos. Os custos diretos são mais facilmente mensuráveis e geralmente são os primeiros a serem considerados. Já os custos indiretos, apesar de mais difíceis de quantificar, costumam representar um impacto financeiro ainda maior para a organização.
A somatória desses custos, diretos e indiretos, pode representar um impacto financeiro significativo para as organizações, comprometendo sua rentabilidade e sustentabilidade. Por isso, investir em prevenção de acidentes é fundamental, não apenas para proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores, mas também para garantir a saúde financeira do negócio.
Ainda, esses setores geralmente operam com margens de lucro estreitas e, portanto, o controle de custos é crucial para sua sustentabilidade financeira. As estatísticas do INSS sobre benefícios concedidos são uma fonte útil e importante, mas não são suficientes por si só para estimar completamente a repercussão em atividades econômicas. Elas fornecem um bom panorama da magnitude do problema, mas possuem limitações e devem ser analisadas com cautela.
As estatísticas do INSS se concentram principalmente em acidentes que resultam em afastamento do trabalho por mais de 15 dias. Acidentes que geram afastamentos menores ou sem afastamento não são registrados, o que distorce a visão geral, e isso leva a uma subestimação da real magnitude do problema.
Perigos e riscos para profissionais da saúde
Este setor é importante em termos de emprego, proporcionando trabalho em estabelecimentos formais de prestação de cuidados tais como hospitais e clínicas.
Profissionais de saúde estão expostos a uma vasta gama de riscos de SST, sendo os principais os seguintes (lista não exaustiva):
• Psicossociais, com trabalhadores expostos a violência e assédio, acontecimentos traumáticos, elevada carga de trabalho, tratar pessoas doentes e/ou no final das suas vidas, a necessidade de realizar várias tarefas, trabalho por turnos, trabalho solitário, esgotamento, assédio moral ou intimidação e falta de controlo sobre o trabalho, os quais são fatores de estresse conhecidos.
• Ergonômicos, associados à elevação de cargas, permanência prolongada em pé, carga de trabalho elevada e trabalho em posições incómodas.
• Biológicos, ligados a qualquer forma de exposição a agentes biológicos, tais como agentes patogênicos transmitidos por via sanguínea e microrganismos infecciosos.
• Químicos, associados à utilização diária de medicamentos ou de produtos químicos perigosos, que representa um risco para as pessoas expostas.
• Físicos, tais como escorregadas, tropeções e quedas, radiações ionizantes, ruído, etc.
Dificuldades comuns em hospitais e seus custos
Como exemplo, algumas dificuldades comuns que hospitais enfrentam com seus custos incluem:
• Custos crescentes com tecnologia e equipamentos: A medicina evolui constantemente, e a aquisição de novas tecnologias e equipamentos é essencial para oferecer tratamentos modernos e de qualidade. No entanto, esses investimentos representam um alto custo para os hospitais.
• Alta dos preços de medicamentos e insumos: O aumento constante dos preços de medicamentos, materiais hospitalares e outros insumos impacta diretamente as finanças das instituições de saúde.
• Pressão por redução de custos por parte de planos de saúde e governo: Hospitais sofrem pressão para reduzir custos, tanto por parte dos planos de saúde, que buscam negociar preços mais baixos, quanto pelo governo, que define tabelas de referência para o SUS.
• Complexidade da gestão hospitalar: A gestão de um hospital é complexa e envolve diversas áreas, como recursos humanos, suprimentos, financeiro, administrativo e assistencial. Essa complexidade pode dificultar o controle de custos e a otimização dos recursos.
• Escassez de profissionais qualificados: A falta de profissionais de saúde qualificados, em algumas especialidades, pode levar à necessidade de contratar mão de obra terceirizada, o que geralmente implica em custos mais altos.
• Responsabilidade legal e seguros: Hospitais enfrentam alta responsabilidade legal em casos de erros médicos, o que eleva os custos com seguros e processos judiciais.
• Atendimento de emergência e pacientes sem recursos: A obrigação de atender pacientes em emergências, independentemente de sua capacidade de pagamento, também impacta as finanças dos hospitais.
• Inadimplência: A inadimplência de pacientes e planos de saúde também impacta negativamente o fluxo de caixa dos hospitais.
O custo dos acidentes de trabalho para o setor hospitalar é bastante relevante, e a estreita margem de lucro, somada à dificuldade de repassar esses custos nos preços, agrava ainda mais o problema. Vamos desmembrar os principais pontos:
• Estreita Margem de Lucro: Hospitais, especialmente os filantrópicos e os que atendem pelo SUS, muitas vezes operam com uma margem de lucro pequena ou até mesmo negativa. Isso significa que qualquer custo adicional, como os decorrentes de acidentes de trabalho, impacta significativamente suas finanças.
• Dificuldade de Repassar Custos: Diferentemente de outros setores, os hospitais têm dificuldade em repassar os custos de acidentes de trabalho para os pacientes ou para os planos de saúde. Negociações com o SUS e com as operadoras de saúde são complexas e geralmente há uma tabela pré-definida de preços para procedimentos e serviços, o que limita a capacidade de repassar aumentos de custos.
• Impactos dos Acidentes de Trabalho: Os custos associados a acidentes de trabalho em hospitais vão além do óbvio, como despesas médicas e indenizações. Eles incluem também:
o Afastamentos: A falta de profissionais devido a acidentes impacta a produtividade e sobrecarrega as equipes restantes.
o Treinamento de Substitutos: A necessidade de treinar novos funcionários para cobrir os afastamentos gera custos adicionais.
o Queda na Qualidade do Atendimento: Equipes reduzidas e sobrecarregadas podem levar a uma queda na qualidade do atendimento aos pacientes.
o Danos à Imagem do Hospital: Acidentes frequentes podem prejudicar a reputação da instituição.
o Custos administrativos e jurídicos: Processos trabalhistas e trâmites administrativos geram gastos extras.
Conhecimento dos custos dos afastamentos / acidentes
É claro que hospitais não desejam estar nessa situação desagradável de tantos acidentes do trabalho e alguma explicação deve ter para isso. De uma forma talvez um tanto simplista, se pode cogitar que há um desconhecimento da extensão do problema.
Como quem nada sabe nada teme é possível que não hajam conhecimentos de uma avaliação dos afastamentos e de acidentes relacionados a eles. Talvez inexistam sistemas de controle, como softwares de SST, que possam fornecer estatísticas e relatórios. Um deles, o que mostra o custo dos afastamentos, mesmo que apenas considere o valor direto, estimado pelo salário e dias perdidos, é útil para motivar ações de mitigação.
A ideia de que a falta de conhecimento da extensão do problema contribui para sua perpetuação é bastante plausível. A ausência de dados concretos, como os fornecidos por softwares de SST e a falta de uma cultura de análise desses dados, dificulta a percepção da gravidade e dos custos envolvidos.
Consequências da falta de conhecimento dos custos:
• Investimento insuficiente em prevenção: Sem saber o quanto os acidentes e doenças custam, as empresas tendem a investir menos em medidas preventivas, perpetuando o ciclo de acidentes e afastamentos.
• Dificuldade na tomada de decisões: A falta de dados sobre os custos impede que as empresas tomem decisões estratégicas e eficazes para melhorar a segurança no trabalho.
• Impactos financeiros ocultos: Os custos dos acidentes e doenças acabam sendo absorvidos por outras áreas da empresa, sem que sejam devidamente contabilizados e analisados.
• Perda de competitividade: Empresas com altos índices de acidentes, doenças e afastamentos tendem a ser menos competitivas no mercado, devido aos custos elevados e à baixa produtividade.
Ações para reduzir acidentes do trabalho
Os números indicam que as ações para reduzir acidentes de trabalho em hospitais requerem um choque de realidade. Sem desmerecer os esforços atuais, é crucial adotar práticas e processos inovadores, potencializados pelas novas tecnologias em saúde e segurança no trabalho, tais como (2, 3, 4, 5):
Tecnologias e Práticas Inovadoras:
• Realidade Virtual (RV) e Realidade Aumentada (RA) para treinamentos: Simulações imersivas de situações de risco, como manuseio de pacientes, procedimentos com materiais perfurocortantes e resposta a emergências, permitem o aprendizado prático sem expor os profissionais a perigos reais. A RA pode, ainda, sobrepor informações úteis em tempo real durante a execução de tarefas.
• Inteligência Artificial (IA) para análise preditiva: Algoritmos podem analisar dados históricos de acidentes, identificando padrões e fatores de risco, permitindo intervenções preventivas direcionadas. A IA também pode monitorar em tempo real as condições de trabalho e alertar sobre potenciais perigos, como a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).
• Internet das Coisas (IoT) para monitoramento ambiental: Sensores podem monitorar fatores ambientais como temperatura, umidade, ruído e qualidade do ar, identificando condições que possam contribuir para acidentes, como fadiga e estresse. A IoT também pode ser usada para rastrear equipamentos e garantir sua manutenção preventiva.
• Robótica para tarefas de alto risco: Robôs podem ser utilizados para manipular materiais perigosos, realizar tarefas repetitivas que causam lesões ergonômicas ou auxiliar em procedimentos complexos, reduzindo a exposição dos profissionais a riscos.
• Big Data e Analytics para gestão da segurança: A análise de grandes volumes de dados sobre acidentes, quase-acidentes e condições de trabalho pode fornecer insights valiosos para a tomada de decisões estratégicas em segurança do trabalho.
• Wearables para monitoramento da saúde do trabalhador: Dispositivos vestíveis, como smartwatches e pulseiras, podem monitorar sinais vitais, níveis de estresse e fadiga, permitindo intervenções precoces para prevenir acidentes relacionados à saúde.
• Gamificação para engajamento em treinamentos: Transformar os treinamentos em jogos interativos pode aumentar o engajamento dos profissionais e a retenção do conhecimento sobre segurança do trabalho.
• Plataformas digitais para gestão da segurança: Sistemas integrados que centralizam informações sobre treinamentos, EPIs, inspeções e relatórios de acidentes, facilitando a gestão da segurança e a comunicação entre os diferentes setores do hospital.
Além das tecnologias, é fundamental:
• Promover uma cultura de segurança: Incentivar a participação ativa dos profissionais na identificação e reporte de riscos, com canais de comunicação transparentes e sem retaliações.
• Investir em treinamentos contínuos e de qualidade: Abordando não apenas os aspectos técnicos, mas também os comportamentais, como a importância da comunicação e do trabalho em equipe.
• Realizar análises de riscos frequentes e abrangentes: Identificando os perigos presentes em cada atividade e implementando medidas de controle eficazes.
• Monitorar e avaliar o desempenho das ações de segurança: Avaliando a efetividade das medidas implementadas e realizando ajustes quando necessário.
A combinação dessas tecnologias e práticas inovadoras com uma cultura de segurança sólida pode contribuir significativamente para a redução dos acidentes de trabalho em hospitais, protegendo a saúde e o bem-estar dos profissionais e garantindo um ambiente de trabalho mais seguro.
Investimento em segurança x custos
Investir em segurança, portanto, não é apenas uma obrigação moral e legal, mas também uma decisão economicamente inteligente. A prevenção, por meio de treinamentos eficazes, aquisição de equipamentos de proteção, implementação de tecnologias de segurança e promoção de uma cultura de segurança, reduz significativamente a probabilidade de acidentes, minimizando seus custos associados e gerando um retorno positivo para a instituição.
As ações inovadoras para reduzir os acidentes de trabalho requerem investimentos e esse tem um custo. Ouso afirmar que o alto custo dos acidentes de trabalho que ocorrem há anos de forma sistemática exigem uma mudança de comportamento gerencial e a compreensão de que investimentos para mudar esse jogo é absolutamente necessário.
O alto custo dos acidentes de trabalho, acumulado ao longo dos anos, evidencia a necessidade urgente de uma mudança de paradigma na gestão da segurança. A visão de que investimentos em segurança são um gasto, e não um ativo estratégico, é um obstáculo para a construção de ambientes de trabalho mais seguros e saudáveis.
É preciso que a gestão compreenda que os custos da não segurança são muito maiores do que os investimentos em prevenção. Acidentes geram despesas diretas, como custos médicos, indenizações e afastamentos, e indiretas, como perda de produtividade, danos à imagem da instituição, queda na motivação dos colaboradores e aumento do absenteísmo.
A mudança de comportamento gerencial deve se basear na compreensão de que a segurança é um investimento que se paga a curto, médio e longo prazo, resultando em um ambiente de trabalho mais produtivo, saudável e sustentável. A liderança deve assumir um compromisso ativo com a segurança, destinando recursos e implementando políticas que priorizem a prevenção e a proteção da saúde dos trabalhadores. Afinal, investir em segurança é investir nas pessoas, no futuro da organização e em uma sociedade mais justa e responsável.
A falta de recursos em hospitais para adotar novas e emergentes soluções para minimizar o impacto do alto número de acidentes do trabalho origina um moto perpetuo onde medidas inovadoras e que tem um custo para implementar não são adotadas, e com isso os acidentes seguem ocorrendo com um alto valor.
Em outras palavras: A falta de recursos impede a adoção de soluções inovadoras para reduzir acidentes de trabalho, e a persistência desses acidentes drena ainda mais os recursos, impedindo investimentos em segurança.
É preciso romper esse círculo vicioso de alguma forma e isso requer uma abordagem integrada, que combine ações de curto prazo com estratégias de longo prazo.